O sexo oral é um dos maiores exemplos de discrepância entre o que dizem as campanhas tradicionais de prevenção contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e o que acontece de fato no mundo real. Sobre esse abismo, paira um um silêncio e, por não haver uma discussão real e prática sobre o assunto, as pessoas acabam vagando entre dois polos: o de ignorar que existem ISTs transmissíveis pela boca e o de viver paranoico achando diariamente que pegou HIV.
Mas o que há de franco e atual sobre sexo oral e prevenção?
Pra começar, precisamos reconhecer que o sexo oral é uma prática bastante comum. Em uma pesquisa realizada com indivíduos sexualmente ativos nos Estados Unidos em 2010, 33% dos entrevistados com idade entre 15 e 17 anos relataram já ter feito ou recebido sexo oral. Esse número, no entanto, sobe para 85% entre aqueles com 18 a 44 anos.
Desde a década de 1980, com o surgimento da epidemia de HIV, é repetida a recomendação universal de uso de preservativo, inclusive no sexo oral. Apesar disso, até hoje a medida só é adotada por uma pequena parte da população sexualmente ativa. Em um estudo norte-americano publicado no início de 2018, apenas 8% dos adultos jovens entrevistados relataram ter usado a camisinha na última vez que tinham feito sexo oral. Em outra pesquisa, desenvolvida no Reino Unido, somente 2% dos participantes disseram que usavam o preservativo de maneira frequente nesse momento da relação sexual.
Esses números me levam à conclusão de que, apesar do sexo oral ser bastante popular, a percepção de risco de aquisição de uma IST associada à sua prática é pequena. Parte disso se dá pelo fato de o HIV se transmitir de maneira muito precária pela boca. Numa revisão sistemática de 2014, mesmo com acompanhamento de quase 10.000 indivíduos que faziam de sexo oral sem camisinha ou outro método de barreira, não foi identificado nem ao menos um caso de transmissão do vírus comprovadamente por essa via.
Tudo então seria perfeito pro sexo oral e seus adeptos se o HIV fosse a única IST desse planeta. Mas sabemos bem que esse sonho termina quando lembramos da sífilis, da gonorreia, da clamídia, de hepatites virais e do HPV. Infecções que são transmitidas, sim, e com muita facilidade, pelo sexo oral. E isso enfim nos leva ao ponto mais importante dessa discussão.
O sexo oral, se praticado sem preservativo ou qualquer outro método de barreira, deve ser sem dúvida motivo de preocupação, mas não para o HIV, como pensam os sorodesesperados, e sim para as demais ISTs.
O lado bom dessa história é que essas ISTs não-HIV todas têm tratamento e cura. Porém, uma grande parte dessas infecções é transmitida de maneira absolutamente assintomática. E por isso, mesmo sem apresentar sintomas não há garantia de que essas ISTs podem ser descartadas. Entre os participantes de um projeto de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) realizado a partir de 2014 (PrEP Brasil), por exemplo, encontramos 20% de portadores assintomáticos de alguma IST bacteriana que desconheciam esse diagnóstico.
Sendo assim, se uma pessoa gosta da prática do sexo oral e considera o uso de um método de barreira algo incompatível com sua qualidade de vida sexual (98% da população sexualmente ativa, segundo as pesquisas), deve buscar maneiras alternativas para impedir que essas ISTs lhe causem problemas ou ainda que sejam transmitidas para suas parcerias.
O Centro de Controle de Doenças nos Estados Unidos recomenda que todos indivíduos com vida sexual ativa sejam testados para HIV e demais ISTs no mínimo uma vez ao ano. Se tiver múltiplos parceiros e/ou parceiras, essa frequência deve ser ainda maior, como por exemplo um rastreamento trimestral. Se algum diagnóstico for feito, mesmo nos casos assintomáticos, é possível realizar o tratamento correto e precoce, obtendo a sua cura e quebrando assim a cadeia de transmissão dessa IST na comunidade.
Manter a carteira de vacinação em dia é outro jeito bastante eficaz de evitar ISTs no sexo oral. As principais são as vacinas para o HPV e para as Hepatites A e B. Cada uma delas tem indicações específicas que devem ser discutidas com seu médico. E já existem, em fase de pesquisa clínica, estratégias medicamentosas para prevenção das demais ISTs bacterianas, como profilaxias com antibiótico pós-exposição ou o uso de antissépticos bucais pré e pós-sexo oral.
Assim como em toda a abordagem mais moderna de prevenção de ISTs, no caso do sexo oral dar autonomia para os indivíduos escolherem as estratégias que consideram capazes de adotar é a chave do sucesso e da boa adesão. Sem hipocrisia e afinado com o que acontece na vida real é que se constrói um aconselhamento eficaz de prevenção. O que não ajuda em nada no enfrentamento das ISTs é uma recomendação que ninguém segue.
Se não começou a pensar nesse assunto, ainda dá tempo. Afinal, o que é errado não é o sexo sem camisinha, mas o sexo sem gerenciamento de vulnerabilidades.