'Cinco meses após mastectomia, participei da minha primeira prova de 10 km'
Em 2016, aos 27 anos, Roberta Perez trabalhava intensamente como fisioterapeuta em uma UTI cardiológica de São Paulo. Sem tempo para cuidar da própria saúde ou praticar atividades físicas, viu sua rotina mudar radicalmente ao receber, de forma inesperada, o diagnóstico de câncer de mama.
A seguir, ela, que hoje tem 35 anos, compartilha sua história de superação da doença e de atuação como ativista da causa.
Diagnóstico em meio a uma vida acelerada
Roberta sabia que não cuidava da saúde como deveria e sentia culpa. Tinha uma rotina de trabalho intensa e, aos finais de semana, também não parava, além de fumar e consumir bebida alcoólica com frequência. Mesmo sendo da área da saúde, ela não fazia exames ou reparava que poderia ter algo errado com seu corpo.
"Um dia, vi um post de uma amiga nas redes sociais falando sobre o seu diagnóstico precoce de câncer de mama e incentivando o exame de toque. Foi aí que fiz o teste de toque e senti um nódulo no seio. Procurei ajuda médica e, após exames, veio a confirmação da doença. Comecei a quimioterapia dias depois", conta.
O processo a abalou física e emocionalmente. Enjoos constantes, dores no corpo e um cansaço profundo passaram a fazer parte de sua rotina. Mas foi durante o tratamento que sentiu que precisava fazer algo por si. Levantou-se da cama e foi até um parque em São Paulo. Percebendo que a caminhada proporcionou alívio, voltou mais vezes, até que começou a acelerar o passo.
Com o apoio da médica, ela adotou uma rotina de exercícios, com musculação e corrida, e buscou orientação nutricional. Mesmo sem um treinador, em poucos meses conseguiu correr 10 km.
Mas não pense que o processo foi fácil. Roberta ainda teve que fazer mastectomia e, após o tratamento, enfrentou uma depressão —algo comum no pós-tratamento oncológico. "Precisei de apoio para lidar com tudo o que vivi. Também sentia culpa por ter sobrevivido", conta.
A situação se agravou porque precisou interromper a atividade física por três meses após a cirurgia, perdendo um dos principais apoios emocionais que tinha. Mas assim que pôde, voltou aos treinos e completou sua primeira prova de 10 km.
"Cinco meses após a mastectomia, participei da minha primeira prova de 10 km. Foi um orgulho imenso. Eu odiava musculação, não levantava nem meio quilo, mas fui. A minha mudança no estilo de vida era urgente. Fiz 16 sessões de quimioterapia, quatro cirurgias na mama e ainda tirei uma trompa e um ovário, após um tumor benigno. Mas nunca parei de me mexer e, hoje, faço crossfit", diz.
O ativismo e a luta por informações e direitos
Mais do que superar limites pessoais, Roberta se tornou uma voz ativa para mulheres mastectomizadas. "Falta muita informação. Muitos médicos ainda dizem que não podemos carregar peso ou levantar o braço, mas os estudos mostram o contrário. A medicina ainda não está preparada para lidar com mulheres jovens que sobrevivem ao câncer", diz.
Em 2018, após o fim do tratamento, ela se tornou ativista da causa, atuando na conscientização de mulheres, no acolhimento de pessoas recém-diagnosticadas e na luta por direitos dos sobreviventes.
"Nós somos a maior geração de sobreviventes ao câncer. Tudo é muito novo. Vi o meu papel como tradutora de informações mais técnicas para o público leigo. Sempre incentivei as pessoas a realizarem seus exames, mesmo sem sintomas. Receber um diagnóstico precoce sempre será melhor do que não saber que uma doença está avançando."
Superando obstáculos e recomeço
Indo contra as estatísticas, Roberta engravidou duas vezes sem precisar de tratamento. A primeira foi em janeiro de 2021, ainda no quarto ano de remissão do câncer, que só se completaria em janeiro de 2022. A gestação não foi planejada e trouxe muitas preocupações, já que temia a possibilidade de o câncer voltar e não sabia se ainda era fértil. O início foi marcado por dúvidas e apreensão, apesar da alegria com a notícia. "Percebi que, durante minha primeira gravidez, nem todos os ginecologistas estavam prontos para lidar com minhas particularidades. Muitas mulheres ainda não sabem que é possível engravidar naturalmente após o câncer", conta.
O maior desafio, no entanto, foi a amamentação. "A verdade é que ninguém sabe como orientar mulheres mastectomizadas. Cada caso é único: eu realizei adenomastectomia bilateral, ou seja, retirada total da mama, mas foram preservados mamilo e aréola. Precisei de uma consultora de amamentação para me ajudar e conseguir amamentar." Neste ano, Roberta foi mãe novamente, já em remissão.
Agora, ela mantém hábitos saudáveis, tratando a atividade física como parte de um cuidado contínuo. No caminho, enfrentou alguns nódulos benignos, mas sua saúde está ótima, e segue com acompanhamento médico todos os anos.
"Ser sobrevivente não é ter a vida resumida ao câncer, mas reconhecer que uma nova história começou depois dele. Meu orgulho não vem da doença, mas da forma como enfrentei os medos e me fortaleci. Mesmo diante do preconceito e dos olhares de pena, sigo com orgulho do caminho que percorri. Quem já enfrentou um diagnóstico grave sabe o valor de cada passo e a beleza de continuar", diz.