sexta-feira, 26 de abril de 2019

MEU DIPLOMA, MINHA DÍVIDA: Atraso no Fies bate recorde, e dívida chega a R$ 13 bilhões

Em meio a estagnação econômica, 3 em cada 5 estudantes estão com parcelas atrasadas e enfrentam dificuldades em quitar o financiamento estudantil



Foram cinco semestres estudando Engenharia de Produção na Universidade Moacyr Bastos, na zona oeste do Rio, até que uma gravidez de alto risco interrompesse o sonho da graduação da carioca Tatiane Oliveira, de 30 anos.

Daquele período, acumulou muitas horas-aula e uma dívida de R$ 50 mil com a Caixa Econômica Federal (CEF) ao usar o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para bancar o curso. Além de não se formar, Tatiane luta há dois anos para quitar o débito que se avoluma.

— Foi a única oportunidade que tive para estudar, não havia outra maneira. Agora, ou bem tento resolver essa conta parcelando tudo por 15 anos ou recomeço a faculdade — desabafa.

Tatiane não está sozinha. De acordo com dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), 59% dos 899.957 contratos em fase de consignação estavam com pelo menos um dia de atraso no pagamento em janeiro.

Isso significa que 3 em cada 5 estudantes que usaram o Fies para pagar a faculdade estão inadimplentes. A grande maioria (45%), por mais de 90 dias. A dívida acumulada por esses acordos já ultrapassa R$ 13 bilhões, um recorde na história do fundo, que está completando 20 anos de existência.

REFINANCIAMENTO
Na tentativa de recuperar parte dos recursos investidos, o FNDE anunciou um refinanciamento inédito para estudantes que firmaram contrato com o Fies até o 2º semestre de 2017. A revisão deverá ser pedida entre 29 de abril e 29 de julho, diretamente na CEF ou no Banco do Brasil. A expectativa do órgão é que a renegociação das dívidas contribua para a queda da inadimplência.

Dados do FNDE permitem traçar um perfil do inadimplente, e a maioria deles é como Tatiane: mulher, jovem, no início do financiamento e com renda familiar de no máximo 1,5 salário mínimo.

De acordo com o órgão, metade dos estudantes endividados possuía até 24 anos no início da faculdade. 60% deles são do sexo feminino, 79% têm renda de até 1,5 salário mínimo e 89% se declararam branco ou pardo na hora da matrícula.





A inadimplência com o Tesouro acontece ao mesmo tempo em que o número de novos contratos do programa regrediu ao patamar de 2010. Em 2018, foram concedidos 82.424 novos termos de financiamento — quase dez vezes menos do que em 2014 (732.673 contratos). Naquela época, houve uma flexibilização nas bolsas, com relaxamento da exigência de fiador e prazo de quitação alongado — carência de 18 meses após a formatura.

A medida fez com que a taxa de inadimplência aumentasse ano após ano, colocando em risco o financiamento de novos estudantes.

Desde 2007, o carioca William Costa, de 38 anos, pena para pagar o parcelamento da graduação em História, que não concluiu por ter de trabalhar em tempo integral para se bancar. Sua dívida, estimada em R$ 10 mil, já o acompanha há dez anos. Ele não conseguiu fiador para refinanciá-la.

— Não recomendo o Fies para ninguém. Meu nome está sujo desde 2007 e não consigo fazer um acordo para pagar a dívida referente ao período em que usei o crédito estudantil — conta Costa, que sonha recomeçar a graduação em Educação Física em 2020. — Não tenho nem cartão de crédito, não consigo fazer nada.

GERAÇÃO ENDIVIDADA
Para especialistas, o cenário brasileiro pode repetir o dos Estados Unidos, onde a chamada geração Y — nascida entre meados dos anos 1990 e começo do novo milênio — está afundada em dívidas exatamente por conta dos programas de crédito estudantil.
Dados do Banco Central americano apontam que 40% da população com nível superior nos EUA se debatem com algum tipo de empréstimo. O total devido já supera US$ 1,5 trilhão (R$ 5,86 trilhões).

Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio, acredita ser necessário um planejamento estratégico que promova uma relação mais direta dos cursos universitários com a inserção de quem usa o Fies no mercado de trabalho:

— Se a pessoa tem um posto de trabalho com possibilidade de crescimento, (o débito) não atrapalha. Ela sabe que, no fundo, tem uma dívida social. O que atrapalha é o desespero de contrair a dívida no Fies e não ter perspectiva futura alguma.

Para o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas, a tempestade perfeita do Fies inclui a crise econômica, o corte de recursos e também as reestruturações feitas no fundo ao longo dos anos.

— Assim como o governo federal atua em situações de crise para “salvar” determinados grupos, como empresários e agricultores, por exemplo, ele precisa desenvolver mais políticas públicas de suporte aos estudantes que não estão em dia com o financiamento estudantil — diz.

MEC não repassou R$ 3 bilhões em recursos do Fies a instituições de ensino superior

Atrasos nos repasses do Fundo de Financiamento Estudantil têm prejudicado alunos de
universidades particulares Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo


Renovação e validação de novos contratos do programa de financiamento estudantil apresentam problemas por causa do sistema, diz ministério

Cerca de 1.300 entidades de ensino superior que têm alunos beneficiados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), um dos principais programas do Ministério da Educação, ainda não receberam nenhum repasse de recursos neste ano.


A informação é do diretor-executivo do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), que calcula que R$ 3 bilhões estão em atraso, em todo o país.

— Há 1 milhão de contratos do Fies que ainda não foram renovados. A instituição de ensino abre o processo pelo sistema do MEC para que fique comprovado que o aluno existe. O estudante valida o processo, mas a instituição não recebe o retorno de finalização do sistema. Sem a finalização, não há o repasse dos recursos — disse ao GLOBO Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp.

Como a mensalidade dos contratos do Fies fica em R$ 1 mil, na média, as instituições de ensino que fazem parte do programa recebem R$ 1 bilhão por mês.

Sem receber há três meses, o total atrasado soma R$ 3 bilhões, calcula Capelato. Ele afirma que a regularização desses repasses é um dos primeiros desafios do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Segundo Capelato, os contratos novos do Fies também estão na mesma situação. Foram oferecidos pelo governo 100 mil novos financiamentos do programa, mas apenas 65 mil foram preenchidos.


— Os alunos também não conseguem finalizar no sistema. Mas as escolas já matricularam esses estudantes e isso gera muita insegurança. É o reflexo da falta de gestão que há no ministério. Estamos em abril e não é possível que não tenha alguém na pasta cuidando de um problema no sistema de um dos principais programas de financiamento do MEC — disse Capelato.

Em comunicado enviado às entidades mantenedoras de ensino superior, a Caixa Econômica Federal, que faz o repasse dos recursos, informou que o sistema do Fies continua apresentando inconsistência nas opções de Aditamento de Renovação e Transferência.

O Ministério da Educação também informa ao Semesp que se trata de um problema de sistema.

Procurado pelo GLOBO, o MEC não informou a razão dos atrasos e pediu que as informações sobre o aditamento (renovação) de contratos fossem procuradas junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

O FNDE afirmou que cerca de 625 mil contratos antigos, formalizados até 31 de dezembro de 2017, deverão ser renovados neste primeiro semestre de 2019.  
  
O prazo para realização desses aditamentos teve início em 9 de janeiro e se estenderá até o próximo dia 30 de abril, não tendo ocorrido nenhuma interrupção nesse período.

Do total de aditamentos previstos, mais de 45% já foram contratados ou validados pelas instituições de ensino para formalização junto ao agente financeiro. 
  
"Os repasses correspondentes aos aditamentos já realizados, condição essencial para o pagamento dos encargos educacionais financiados, estão sendo realizados rigorosamente de acordo com o cronograma estabelecido para 2019, sem qualquer atraso", informou o FNDE, em nota. 
  

O restante dos aditamentos previstos aguarda a solicitação por parte da instituição de ensino (29%) ou a validação pelo estudante (26%) para posterior contratação no agente financeiro.

Fonte: O GLOBO