quarta-feira, 31 de outubro de 2018

OUTUBRO ROSA, PREVENÇÃO AO CÂNCER DE MAMA: ANA RAQUEL MERIGHI VENCE O CÂNCER

Ela enfrentou o câncer de mama na gravidez e revela luta para salvar sua vida e a da filha


No dia seguinte ao seu chá de bebê, Ana Raquel Merighi se deparou com um dos momentos mais difíceis de sua gestação: grávida de sua primeira filha, ela vivia o temido efeito da queda brusca de cabelo, causado pela primeira sessão de quimioterapia. “O chão do banheiro ficou forrado de cabelo e fiquei chocada ao me ver no espelho, porque eu não me sentia mal ou debilitada. Quando me olhei daquela maneira, eu me vi verdadeiramente doente”.

A jornalista, hoje com 36 anos, foi diagnosticada com câncer de mama apenas três semanas após descobrir a gravidez e enfrentava as etapas iniciais do tratamento.

A notícia abalou a futura mamãe, que mal teve tempo de curtir o desenvolvimento de seu bebê. Até o sétimo mês de gestação, ela passou por um período que incluiu os medos de uma doença grave, as incertezas do futuro de sua filha e uma cirurgia radical que removeu uma de suas mamas.

Foi com a ajuda de médicos e muitos “anjos” que cruzaram seu caminho, que ela encarou o tratamento da doença e fez de tudo para trazer sua pequena Cecília saudável ao mundo. Essa é a história dela:

Descoberta do câncer de mama na gravidez
"Eu e meu marido sempre quisemos ser pais, mas eu nunca soube se eu poderia engravidar, pois tive um linfoma de Hodgkin na adolescência [tipo de câncer que se origina nos gânglios do sistema linfático]. Precisei fazer radioterapia como parte do tratamento.

Em 2014, meu marido foi morar na Austrália por conta do trabalho. Nesse tempo, comecei a pensar muito sobre a possibilidade de me tornar mãe. Quando fui visitá-lo, paramos de nos prevenir para ver o que aconteceria, porque eu achei que poderia demorar para nós. Mas não demorou e, em dois meses, descobri que estava grávida.

Todos os anos, eu faço uma mamografia de controle por conta do linfoma que tive e nunca havia aparecido nada. Naquele ano, eu acabei não fazendo o exame, porque coincidiu com a minha viagem.

Quando voltei ao consultório para iniciar o acompanhamento da gravidez, a médica solicitou um ultrassom de mama. Eu não podia fazer a mamografia, por causa da radiação que é prejudicial para o bebê.

Era um dia bem quente. A médica que realizou o exame fez algumas perguntas e questionou quando eu voltaria ao consultório da minha ginecologista. Respondi que demoraria 15 dias e ela pediu para eu aguardá-la na recepção já com o resultado do exame.


Perguntei o que estava acontecendo e ela disse que viu uma imagem que não gostou e que não poderia esperar esses 15 dias. Nessa hora, não sabia o que fazer e comecei a passar mal.


Liguei para minha ginecologista. O consultório era bem perto do laboratório e, por sorte, ela estava lá. Ela abriu o exame na sala de espera e explicou que poderia ser algo sério. Ali, eu já entrei em pânico, comecei a chorar. Na hora, ela ligou para um amigo mastologista que conseguiu um 'encaixe' no mesmo dia. Fui direto para lá.

A consulta atrasou quase uma hora e o meu desespero só ia aumentando. Quando fui chamada, ele me examinou e disse que não havia sentido nada, então falou: 'Quero que saiba que você é uma pessoa abençoada'. Eu respondi: 'Como assim abençoada? Estou com suspeita de uma coisa séria, estando grávida. É a segunda vez que estou passando por isso!'.

Ele me explicou: 'A lesão que você tem é muito pequena, tem pouco menos de 1 centímetro. O ultrassom não é o melhor exame para identificar esse tipo de coisa. Então, se a médica tivesse espirrado na hora que passou por esse local, ela não teria visto. Além disso, sua ginecologista não precisava ter pedido esse exame agora, não faz parte do pré-natal. Se você tivesse passado a gestação inteira sem saber, esse tumor poderia ter ficado enorme e você poderia ficar com outras partes do corpo comprometidas. Quando te digo que você é abençoada, acredite, você é mesmo!’. Aquilo me marcou muito.

Pedi para ele não mentir para mim. Eu precisava que ele fosse o mais honesto possível comigo, porque eu queria me preparar emocionalmente para o que pudesse vir.

Saí de lá arrasada. Eu já sabia que era alguma coisa grave. Quando estava fora do consultório, eu desabei, chorava de chacoalhar. Entrei no carro e não sabia se chorava, se gritava ou se esmurrava algo. Eu estava com muita raiva. Não podia ser verdade. Bem na hora que desabei, começou uma tempestade do lado de fora.


Mastectomia
Fui fazer a biópsia três dias depois e precisei realizar uma mamografia, usando um avental de chumbo para proteger o bebê. Foi horrível, porque meu peito estava super sensível pela gestação e eu chorava de dor.

Entre um exame e outro, fiquei na sala de espera e ali estavam outras três mulheres grávidas. Eu olhava e sentia uma raiva tão grande, porque aquelas mulheres estavam lá para acompanhar a vida do bebê e eu só queria aquilo para mim. Não queria estar lá por outra razão. Naquele momento, eu pedi a Deus que não me deixasse virar uma pessoa amarga.

Enquanto esperava o resultado da biópsia, o médico viu a mamografia e já me deu o diagnóstico de que eu tinha 99% de chance de estar com um câncer de mama. Fui com meu marido para casa e não me reconhecia. Eu não falava nada.

O resultado final saiu muito rápido com a confirmação do câncer e o médico explicou que a única conduta, por eu estar grávida e já ter feito radioterapia anteriormente, seria fazer uma mastectomia radical, ou seja, retirar a mama toda.

Na hora, eu perguntei se eu não poderia remover logo as duas mamas, mesmo não tendo nada na outra. Embora fosse possível e até indicado no meu caso, ele disse que a cirurgia seria arriscada para o bebê.

Só nesse momento é que eu dei a notícia para a minha mãe. Aliás, não fui eu que dei, porque eu não tinha condições de fazer isso. Nem sei como foi, porque minhas irmãs nunca me contaram. Aos poucos, foi caindo a ficha da família, porque eu não abri para todos. Era muito difícil para mim. Nessa época, comecei a fazer terapia para me ajudar no processo todo.


Cirurgia na gravidez
No dia da cirurgia, quando eu estava aguardando no quarto, duas médicas de plantão começaram a falar um monte de coisas que me desestabilizou. Comecei a chorar e disse que só queria meu marido no quarto comigo. Ele me tranquilizou e ficou ao meu lado.

Uma enfermeira que também estava lá me viu chorando apavorada e veio até mim. Ela segurou minha mão e disse: 'Você já é mãe, escute o seu coração de mãe, tenho certeza que você vai tomar a melhor decisão'. Isso me acalmou muito.

Mais tarde, meu médico chegou e pediu perdão pelo que havia acontecido ali. Uma das médicas, depois, me pediu desculpas e disse que era o papel dela alertar para os riscos de um procedimento como aquele. Pedi que ela fizesse o melhor por mim e ela afirmou que cuidaria de mim e do meu bebê. Seguimos com a cirurgia e foi tudo bem.

Passei apenas uma noite no hospital e, no dia seguinte, já tive alta para não correr o risco de ter uma infecção hospitalar. Saí e fui direto fazer um ultrassom para ver como estava o bebê. Foi um momento de tanta apreensão, porque o bebê ainda estava muito pequenininho e eu não sabia o que estava acontecendo ali dentro. Quando o médico colocou o coraçãozinho batendo para escutarmos, vi meu marido respirando aliviado e soltando aquela angústia que estava segurando.


Retirada da mama
Após a cirurgia, eu não queria falar com ninguém. O processo de luto começou desde a descoberta, mas passada a cirurgia, eu senti que precisava viver esse período. Eu não podia negar toda a dor, todo o sofrimento que estava sentindo. Depois que eu vi que estava tudo bem com a bebê, eu me permiti viver esse período de reclusão, de recolhimento.

Dias depois da cirurgia, ainda não tinha visto ainda como estava meu corpo. Fiquei uns 15 dias com o dreno, olhava aquilo e tinha vontade de vomitar.

No dia em que tirei o curativo, eu passei na frente do espelho e me vi sem a mama. Foi ali que eu deixei de pensar na gravidez, na bebê, na minha mãe e pensei em mim. Foi quando me enxerguei como uma mulher que tinha sofrido uma mastectomia, que não tinha mais o peito. Foi quando eu me dei conta.

Eu não conseguia parar de olhar. Senti repulsa quando vi, mas não podia parar de olhar no espelho. Meu marido me chamou, falou para eu parar de olhar, que eu estava sofrendo e que depois voltaria a ficar bonito.

Eu só olhei para a cara dele e disse: 'Você não está entendendo, eu tenho que olhar. Eu tenho que digerir, eu preciso me aceitar. Enquanto eu não aceitar que essa é a minha condição nesse momento, não vai funcionar'. Acho que fiquei uns 20 minutos parada na frente do espelho até cair minha ficha.


Quimioterapia
Com o passar do tempo, as coisas foram melhorando. A gente respira aliviada de ver que deu tudo certo, pois a pior parte já foi, passou a cirurgia, estava tudo bem comigo, tudo bem com a bebê. Mas há tantos 'poréns' no caminho que você tem que dar um passo de cada vez.

Depois que saiu o resultado da biópsia, um oncologista me contou que eu estava bem no limiar entre fazer ou não a quimioterapia. Ouvi um segundo especialista e ele me encaminhou para o tratamento. Eu estava com 6 meses de gestação quando comecei.

O médico me explicou na época que a quimioterapia em casos de câncer de mama deve começar em até, no máximo, três meses após a cirurgia para ter sucesso. De novo bateu a insegurança sobre os riscos para minha bebê. Ele me tranquilizou dizendo que era seguro, mas que tinha de ser naquele momento.

Eu e meu marido voltamos a pesquisar muito para saber de todos os riscos e possibilidades. Nos deparamos com muitas histórias de mulheres que haviam passado por isso também, é mais comum do que a gente imagina.

Marquei a primeira sessão e o médico disse que era para eu ficar preparada que meu cabelo poderia começar a cair uns 17 dias depois disso. Ele falou: 'Eu posso te ajudar com tudo: com as náuseas, com a queda de imunidade, mas o cabelo realmente não tem o que fazer'. Eu estava apreensiva, achei que passaria muito mal, mas não tive nada.


Chá de bebê diferente
Lembro de falar para meu marido que, se meu cabelo fosse cair, a gente devia marcar nosso chá de bebê rápido, porque não queria estar careca na festa. Eu não ia estar tão barriguda como eu gostaria para as fotos, mas decidi fazer do mesmo jeito.

Passou a primeira semana após a quimio e não havia caído nenhum fio da minha cabeça. Na segunda, nada. Então, na semana do meu chá, um dia fui tomar banho, passei a mão no meu cabelo e caiu um chumaço. Eu não queria acreditar. Fiquei desesperada.

Falei com a minha cabeleireira e ela topou me atender. Ela fez um corte curtinho para disfarçar, ficou ótimo e me senti um pouquinho melhor.

No dia do chá de bebê, lembro que acordei e fui arrumar o cabelo. O problema é que os fios vão caindo e vão se emaranhando, vira uma maçaroca. Você tenta desembaraçar e quanto mais você tenta, mais ele cai. Quando olhei no espelho, eu estava com um 'buraco' no meio da cabeça. A sorte é que a festa era temática, de festa junina, e eu coloquei um chapeuzinho para cobrir a falha. Quando eu cheguei em casa, tirei o chapéu e saiu o tufo de cabelo junto. Até comecei a rir de nervoso.

No dia seguinte, fui tomar banho e meu cabelo despencou da cabeça. O chão do banheiro ficou forrado e fiquei chocada ao me ver no espelho, porque eu não me sentia doente. E quando me vi daquela maneira, eu me vi doente. Fiquei muito mal.

Apoio familiar no tratamento do câncer
Marquei novamente um horário com minha cabeleireira. Quando fui ao salão estavam minhas três irmãs e uma prima minha que é maquiadora. Foi uma surpresa para mim. Perguntei o que elas estavam fazendo lá e elas disseram que não iam deixar eu passar por aquilo sozinha.

A cabeleireira raspou meu cabelo, minha prima fez uma maquiagem linda em mim e já não me senti com cara de doente. No dia seguinte, eu tinha minha segunda sessão de quimio e elas queriam que eu me sentisse bem.

Nesse momento, minha irmã mais velha falou assim: ‘Bom, está tudo muito lindo, mas agora é minha vez’. Eu falei que não era para ela raspar a cabeça, mas ela disse que me amava e que não iria deixar eu passar por isso sozinha. Foi uma das declarações de amor mais nobres que já recebi em minha vida.

O câncer é uma doença muito ingrata por vários aspectos. No caso da mulher, mexe demais com nossa feminilidade. Eu já estava sentida por causa da mama, daí de novo me ver sem cabelo. Por mais que cresça, não é fácil. Mas ver minha irmã se despir dessa vaidade, abrir mão disso por mim, por amor, foi algo inexplicável. Naquela noite, saí para jantar com meu marido e, no dia seguinte, de manhã, nem lavei o rosto para ficar com a maquiagem intacta durante a quimio.


Ensaio gestante careca
Fiz três sessões de quimioterapia e não tive nenhuma sensação muito ruim, só muito cansaço. Quando terminei, pude só curtir minha gestação por um tempo. Foi uma fase muito gostosa, porque aquele período de incerteza, de medo, tinha ficado para trás. Então, os últimos dois meses eu realmente aproveitei minha gravidez.

Eu sempre quis fazer um ensaio de gestante e acabei desistindo, porque não queria estar careca nas fotos. Mas o tempo passa, as coisas vão mudando e eu parei para pensar: "Isso não está certo. Não é justo com a Cecília. Ela merece saber que foi amada, desejada, que meu amor por ela durante a gestação foi incondicional. Minha maior preocupação sempre foi ela. A minha maior força sempre veio dela. Eu tenho que deixar de lado a minha vaidade e o meu orgulho por ela".

Eu sempre usava peruca quando saía de casa. Porém, a Raquel de peruca, não era a Raquel, não era a mãe da Cecília. A Raquel era aquela pessoa careca, eu tinha que me aceitar daquele jeito, para minha filha saber que eu me aceitei assim por ela. Aí decidi fazer o ensaio careca.

Quando me olhei no espelho naquele dia, me senti linda. Eu estava tão sublime, eu transpirava tanta felicidade, que me achei maravilhosa. Foi nesse momento que me aceitei, aceitei que estava careca, que eu estava em tratamento, mas que ia passar. Isso não importava. O mais importante estava crescendo na minha barriga. Foi um momento em que me senti muito amada, foi tudo muito perfeito.



Nascimento da filha
A Cecília nasceu de 36 semanas através de uma cesárea, em uma quarta-feira, 26 de agosto, às 9h02. Ela veio um pouco antes da hora e a gente sabia que isso poderia acontecer por conta da quimioterapia. Eu sempre tive medo de parto, mas eu estava tão tranquila naquele dia.

A Cecília chegou e foi um misto de alegria, vitória, alívio, agradecimento. Chegou com tudo, chorando, sem nenhum problema, toda perfeitinha.

Dois meses depois do nascimento, eu retornei ao oncologista para retomar o tratamento. Além do acompanhamento, que faço a cada três meses, tomo dois medicamentos que preciso ingerir por cinco anos (já foram três).

Quando ela estava com um ano e um mês, eu fiz uma cirurgia para trocar a prótese expansora pela prótese definitiva da mama esquerda e aproveitei para fazer a mastectomia na mama direita.

Eu vivia questionando do porquê o câncer vir justo nesse momento, junto com a neném. Meu marido me falou um dia: 'Não fique perguntando isso. De repente, se viesse antes, você nunca mais poderia ter a chance de ter esse filho. Esse bebê é a maior força que você precisa nesse momento'. E ele tinha razão, era por ela que eu ia em frente, que eu enfrentava tudo. Para ela ter o direito de ter uma mãe que cuidasse dela. Nunca passou pela minha cabeça interromper a gravidez. Às vezes, olho para trás e penso: 'Foi comigo mesmo?'."